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Transferência do local de trabalho e resolução do contrato pelo trabalhador


O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que a comunicação de deslocação ou transferência do local de trabalho feita em violação dos princípios da boa-fé, da mútua colaboração e da garantia convencional da categoria profissional constitui comportamento culposo e grave do empregador, que consubstancia justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador.

O caso

Uma trabalhadora rececionista ao serviço de uma empresa de segurança e vigilância privada resolveu o seu contrato de trabalho, alegando justa causa, depois de ter sido surpreendida, na passagem de ano, com a comunicação de que se deveria apresentar no dia seguinte noutro local de trabalho, para passar a desempenhar funções de vigilante, em regime de turnos rotativos, predominantemente noturnos.

Sendo mãe solteira, com uma filha de quatro anos de idade exclusivamente entregue à sua guarda e cuidados, essa mudança deixou-a nervosa, preocupada e perturbada porque não queria perder o emprego, mas, também, não podia deixar a filha durante a noite.

Recorreu então a tribunal exigindo que lhe fosse reconhecida a categoria de rececionista e pagas a respetivas diferenças salariais, bem com a existência de justa causa para a resolução do contrato e lhe fosse paga a correspondente indemnização. Mas o tribunal apenas condenou a empresa a reconhecer a categoria profissional de rececionista e a pagar os créditos laborais em dívida, rejeitando a existência de justa causa para a resolução do contrato por parte da trabalhadora. Inconformada, esta recorreu para o TRP, o mesmo tendo feito a entidade patronal.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP concedeu provimento apenas ao recurso interposto pela trabalhadora, julgando verificada a justa causa de resolução e fixando o montante da respetiva indemnização.

Decidiu o TRP que a comunicação de deslocação ou transferência do local de trabalho feita em violação dos princípios da boa-fé, da mútua colaboração e da garantia convencional da categoria profissional constitui comportamento culposo e grave do empregador, que consubstancia justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador.

Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato. Mas para que tal se verifique não basta que o empregador viole qualquer um dos seus deveres contratuais, tornando-se ainda necessário que esse ato ou omissão lhe seja imputável a título culposo e que, em concreto, não seja exigível ao trabalhador a manutenção do vínculo laboral. O comportamento do empregador tem de ser grave em si mesmo e nas suas consequências, ou seja, tem de ser de molde a comprometer a viabilidade futura da relação de trabalho.

Estando em causa a deslocação ou transferência do local de trabalho, o empregador deve comunicá-la ao trabalhador, por escrito, de modo fundamentado, com oito ou 30 dias de antecedência, consoante aquela seja temporária ou definitiva.

A exigência dessa comunicação radica nos princípios da boa-fé e da mútua colaboração, possibilitando ao trabalhador pronunciar-se, previamente, e informar o empregador do que tiver por pertinente, designadamente, das suas circunstâncias pessoais, mormente, se for mãe solteira de filho menor de quatro anos de idade. Sendo que o incumprimento desse dever de informar viola os princípios da boa-fé e da mútua colaboração, no âmbito das relações laborais, expressamente consagrados na lei.

Além disso, a transferência de trabalhadora que exerça as funções de rececionista, para outro local de trabalho, a fim de exercer as funções de vigilante, viola também a garantia convencional da categoria profissional.

Como tal, constitui uma violação culposa e grave da garantia convencional da categoria profissional de rececionista, bem como uma violação culposa e grave dos princípios da boa-fé e da mútua colaboração, passível de justificar a resolução do contrato com justa causa por parte da trabalhadora, a comunicação pela entidade patronal à trabalhadora, feita verbalmente, de um dia para outro e sem qualquer consulta prévia, de que passaria a prestar funções de vigilante quando exercia há seis anos as funções de rececionista, noutro local de trabalho, em regime de horário por turnos, predominantemente, noturnos, com implicação direta no acompanhamento da sua filha de quatro anos, sendo ela mãe solteira.

Segundo o TRP, os deveres de lealdade, de fidelidade, de respeito e de mútua colaboração nas relações laborais não se compadecem com este tipo de comportamento, por parte da empregadora, apanhando de surpresa a trabalhadora, não só com a mudança de local de trabalho para desempenhar funções e em regime de horário completamente diferentes das que vinha desempenhando, mas também com a circunstância pessoal e familiar de deixar de poder acompanhar, durante a noite, a sua filha menor.

 

Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 1454/16.9T8AVR.P1, de 8 de janeiro de 2018   
Código do Trabalho, artigos 126.º, 196.º e 394.º         

 

 

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26.04.2018