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Obrigação de comunicar à AT mecanismos com relevância fiscal


O Tribunal Constitucional (TC) irá pronunciar-se sobre a obrigação que impende sobre os advogados, de comunicação à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, no âmbito da lei em aplicação desde julho de 2020 que transpôs uma diretiva europeia sobre a troca automática e obrigatória de informações fiscais destinada a combater o planeamento fiscal agressivo.

A Provedora de Justiça requereu, a pedido da Ordem dos Advogados (OA), a fiscalização de várias normas da lei, considerando que vão para além do que a própria diretiva prevê, impondo, sem qualquer margem de ponderação, a prevalência absoluta do dever de comunicação sobre o dever de sigilo profissional do advogado.

Assim, a legislação nacional constitui uma restrição desproporcionada do direito a um processo justo e equitativo, do direito à reserva da intimidade da vida privada e do sigilo das comunicações entre o advogado e os seus clientes, tal como protegidos pela Constituição da República. Na dimensão aplicável ao advogado-intermediário, o regime constitui ainda uma interferência desproporcionada do direito a um processo justo e equitativo previsto Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do direito ao respeito pela vida privada e familiar.

O legislador nacional não procurou acomodar as obrigações a que o advogado está vinculado em função do segredo profissional, nem teve em conta o procedimento legalmente estabelecido no Estatuto da Ordem dos Advogados para efeitos de levantamento de um sigilo profissional de fonte legal.

A lei não estabelece regras específicas para o advogado-intermediário (equiparando-se o sigilo de fonte legal com o sigilo de fonte contratual), aplicando rigidamente o regime que determina a prevalência absoluta do dever de comunicação, sem considerar os vários direitos e interesses em conflito.

Além disso, a lei prevê procedimentos e processos que ficam fora do conceito de intermediário a nível nacional, o que implica que estão abrangidos todos os restantes (civil, comercial ou laboral) em que o advogado está a atuar no contexto da função essencial de advogado, portanto, e que ficam sujeitos à obrigação de comunicação à AT.

O sigilo profissional do advogado é matéria de direitos fundamentais, apesar de regulado em normas de direito infraconstitucional: Estatuto da Ordem dos Advogados, Lei da Organização do Sistema Judiciário, Código de Processo Civil e Código de Processo Penal. No entendimento da OA, o sigilo tem natureza de um direito-dever, decorrente do fundamento de ordem pública em que assenta.

Posição da Ordem dos Advogados

Segundo a OA, a lei exige que os advogados efetuem à AT comunicações de operações dos seus clientes que possam ter por objeto uma vantagem fiscal - uma obrigação que prevalece sobre o dever de sigilo, condição essencial da profissão - atentando contra o segredo profissional dos advogados.

Na prática, atenta-se por via legislativa contra o sigilo profissional, derrogando-se desta forma o próprio estatuto profissional.

A Ordem vem questionando o diploma desde a fase de anteprojeto, demonstrando que a solução atentava contra o sigilo profissional do advogado e nem sequer era imposta pela Diretiva, mas a versão final manteve as regras em causa. Entretanto, esta prevalência das obrigações de comunicação à AT sobre o sigilo profissional dos advogados originou muitas queixas de advogados.

Por isso solicitou à Provedora que requeresse ao TC a fiscalização abstrata da inconstitucionalidade das três disposições legais.

Enquadramento da obrigação de comunicação

O pedido de fiscalização da inconstitucionalidade ao TC centra-se nas três normas que determinam a obrigação de comunicação à AT de determinados mecanismos internos ou transfronteiriços com relevância fiscal, transposta da Diretiva, por violarem:

  • o princípio da proporcionalidade na restrição do direito a um processo justo e equitativo;
  • o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada e familiar;
  • o sigilo das comunicações entre o advogado e os seus clientes.

A diretiva não contém um regime de tributação material; apenas visa proporcionar aos Estados-Membros meios e poderes para uma cooperação eficiente a nível internacional, a fim de enfrentarem os efeitos negativos da crescente globalização no mercado interno. São regras sobre cooperação administrativa que não substituem as regras nacionais, apenas fornecem padrões mínimos para a troca de informação.

Prevê-se que os intermediários nesses mecanismos apresentem informações que sejam do seu conhecimento ou que estejam na sua posse ou sob o seu controlo. Na ausência de intermediários, ou caso estes possam invocar o sigilo profissional previsto na ordem jurídica do Estado-Membro, a obrigação de declaração é transferida para o contribuinte.

Uma vez que certos intermediários sujeitos a uma obrigação de comunicação à AT podem estar simultaneamente sujeitos a um dever de sigilo legalmente protegido, ao abrigo da legislação nacional, a diretiva estabelece a necessidade de transferir a obrigação de comunicação para o contribuinte que beneficia do mecanismo.

Para evitar a existência de um potencial conflito de deveres, a Diretiva permite que os Estados-Membros, na transposição, tenham margem de apreciação sobre o modo de compatibilizar esse conflito.

A lei portuguesa

A lei nacional prevê a obrigação dos intermediários, mesmo que se verifique o dever legal ou contratual de sigilo, de comunicar à AT todas as informações que sejam do seu conhecimento ou que estejam na sua posse ou sob o seu controlo relativas a qualquer um dos mecanismos (transfronteiriços e internos) nos casos em que se verifique a obrigação subsidiária de comunicação.

Prevê ainda que, nas situações cobertas pelo dever legal ou contratual de sigilo, a obrigação de comunicação à AT recai sobre o contribuinte relevante, sem prejuízo da obrigação subsidiária de comunicação do intermediário; no caso de não ter sido informado do cumprimento do dever de comunicação pelo contribuinte relevante, a comunicação das informações deve ser cumprida pelo intermediário.

Portanto, nas situações em que exista um dever contratual ou legal de sigilo, a lei impõe aos intermediários uma obrigação subsidiária de comunicação, aplicável quando estes não tenham recebido por parte do contribuinte a informação de que este cumpriu o dever de comunicação que sobre ele primariamente impende.

Essa transferência da obrigação de comunicação à AT - do contribuinte relevante para o intermediário - não tem base na diretiva.

Pelo contrário, a diretiva prevê a dispensa da obrigação de comunicação nas situações em que os intermediários possam estar vinculados a deveres legais de sigilo profissional, caso em que a obrigação de declaração é transferida, definitivamente, para o contribuinte.

 

Referências
Projeto de Lei 948/XIV/3 [BE], de 17.09.2021
Projeto de Lei 841/XIV/2 [PAN], de 18.05.2021
Petição n.º 129/XIV/2, de 21.09.2021
Projeto de Lei n.º 524/XIV/2.ª, de 21.09.2020
Projeto de Lei n.º 643/XIV/2.ª, de 08.01.2021
Projeto de Lei n.º 622/XIV/2.ª (CDS-PP), de 30.09.2021



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08.10.2021​