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Regime Jurídico da Conversão de créditos em Capital


Empresas com volume de negócios superior a € 1 000 000 podem reestruturar o balanço e reforçar os capitais próprios.

Vigora desde dia 3 de março um novo regime que permite que os credores de sociedades comerciais em pelo menos dois terços do passivo possam entrar na sociedade incumpridora por via da conversão dos créditos desta em capital social. No entanto este regime não se aplica a empresas com volume de negócios inferior a € 1 000 000, e a outras situações.

A nova lei que consagra o regime da conversão em capital de créditos detidos sobre sociedades comerciais ou sob forma comercial com sede em Portugal entrou em vigor no dia 3 de março. Trata-se de uma medida integrada no Programa Capitalizar. A lei vai agora permitir a estas empresas com capitais próprio negativos e em situação de incumprimento perante os seus credores, reestruturar rapidamente o respetivo balanço e reforçar os capitais próprios.

O regime pode ser aplicado em conjugação com outros mecanismos de conversão de créditos em capital, seja esta operada de modo voluntário, seja por aplicação do previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Este regime não se aplica a:
- créditos detidos sobre empresas de seguros, instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas de investimento, sociedades abertas e entidades integradas no setor público empresarial;
- créditos sobre sociedades cujo volume de negócios, tal como resultante das últimas contas de exercício aprovadas, seja inferior a € 1 000 000.
- créditos detidos por entidades públicas, excetuando-se as entidades integradas no setor público empresarial, onde a conversão é possível com autorização prévia do ministro das finanças e cumprimento dos princípios e regras aplicáveis ao setor público empresarial.


Condições para a conversão

A iniciativa cabe aos credores, que podem propor à sociedade a conversão dos seus créditos em capital social; por sua vez, o órgão de administração da sociedade tem 10 dias para prestar aos credores a informação solicitada com vista à elaboração da proposta.

Os credores podem apresentar proposta quando se verifiquem cumulativamente dois pressupostos:
- o capital próprio da sociedade seja inferior ao capital social, tal como resultante das últimas contas de exercício aprovadas ou, caso existam, de contas intercalares elaboradas pelo órgão de administração e aprovadas há menos de três meses;
- se encontrem em mora superior a 90 dias créditos não subordinados sobre a sociedade de valor superior a 10% do total de créditos não subordinados ou, caso estejam em causa prestações de reembolso parcial de capital ou juros, desde que estas respeitem a créditos não subordinados de valor superior a 25% do total de créditos não subordinados. Caso a empresa não forneça a informação solicitada pelos credores, este pressuposto é aferido pelo revisor oficial de contas (ROC) em função dos elementos fornecidos pelos credores no que respeita aos montantes em mora, e das últimas contas aprovadas, no que respeita à proporção entre os montantes em mora e o passivo da sociedade.

Os créditos subordinados e não subordinados são definidos conforme previsto no CIRE. São «subordinados» os seguintes:
- créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respetiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
- juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com exceção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respetivos;
- créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes;
- créditos que tenham por objeto prestações do devedor a título gratuito;
- créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé;
- juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência;
- créditos por suprimentos.

Refira-se que nos termos do CIRE, os créditos subordinados são graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência exceto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência.

A proposta deve ser subscrita por credores cujos créditos constituam, pelo menos, dois terços do total do passivo da sociedade e a maioria dos créditos não subordinados e acompanhada dos seguintes documentos:

  • relatório elaborado por ROC que demonstre a verificação dos pressupostos exigidos;
  • documento contendo as propostas de alteração do capital social da sociedade (aplicam-se as regras do Código das Sociedades Comerciais em matéria de verificação de entradas em espécie);
  • projetos de alteração dos estatutos da sociedade, e, quando aplicável, pode prever a transformação da sociedade noutra de tipo distinto, bem como a exclusão de todos os sócios, desde que as participações sejam destituídas de qualquer valor.

No cálculo do passivo da sociedade não se computa os créditos não subordinados.

Regras para alterações ao capital social da sociedade devedora

O aumento de capital social pode ser precedido de redução prévia do capital social para cobertura de prejuízos, incluindo para zero ou outro montante inferior ao mínimo estabelecido na lei para o respetivo tipo de sociedade, caso seja de presumir que, em liquidação integral do património da sociedade, não subsistiria qualquer remanescente a distribuir pelos sócios.

O documento com as propostas de alteração do capital social da sociedade apresentado pelos credores com a sua proposta de conversão tem de:
- descrever o conteúdo concreto da operação;
- quando aplicável, prever a redução do capital social e respetiva justificação, nos termos acima referidos;
- prever o montante do aumento do capital social a subscrever pelos credores proponentes, mediante a conversão dos créditos não subordinados de que sejam titulares em participações sociais, bem como a fundamentação do rácio de conversão do crédito em capital.

Também o relatório do ROC terá de demonstrar o cumprimento dos trâmites para a redução prévia do capital social.

Após o aumento, o capital próprio da sociedade tem de ser superior ao valor do capital social à data da proposta.

Preferência dos sócios e assembleia geral

Os sócios gozam sempre de preferência no aumento de capital, considerando-se nesse caso que o aumento deve ser realizado em dinheiro e obrigatoriamente aplicado na amortização dos créditos que, nos termos da proposta, seriam convertidos em capital. Se nem todos os sócios exercerem o seu direito de preferência, os preferentes podem subscrever a parte de capital que caberia aos demais, na proporção das suas ações.

Caso não haja intenções de subscrição correspondentes à totalidade das novas entradas, o valor das entradas em dinheiro que sejam efetivamente realizadas é aplicado na amortização dos créditos que não sejam convertidos em capital, proporcionalmente ao montante dos mesmos e com respeito pela prioridade que lhes caiba.

Depois de recebida a proposta de conversão, deverá ser imediatamente convocada assembleia geral da sociedade, a ter lugar no prazo de 60 dias, através da qual a sociedade:
- aprova a proposta: pode acordar com os credores modificações à proposta, as quais, no entanto, devem ser facultadas aos sócios com a antecedência correspondente ao prazo legal ou contratual de convocação da assembleia geral da sociedade;
- recusa a proposta: a sociedade pode recusar a proposta de conversão (e eventuais modificações).

Suprimento judicial

Se as deliberações previstas na proposta não foram executadas no prazo de 90 dias (contados da data de receção da proposta), os credores proponentes podem requerer o suprimento judicial da deliberação de alteração social ao tribunal competente para o processo de insolvência, que terá natureza urgente.

O processo de suprimento judicial da deliberação social inicia-se pela apresentação de requerimento pelos credores proponentes da alteração do capital social, que terá de ser acompanhado dos seguintes elementos:
- proposta de conversão, acompanhada de todos os documentos que a instruem;
- comprovativo da recusa da proposta, ou declaração de que a mesma não foi adotada;
- lista de credores conhecidos para além dos proponentes.

Recebidos os documentos, o juiz nomeia um administrador judicial provisório e a secretaria notifica os credores não proponentes que constem da lista de créditos relacionados pelos requerentes da existência da proposta (fica na secretaria do tribunal para consulta) e publicar no portal CITIUS a lista provisória de créditos, que poderá ser impugnada no prazo de cinco dias úteis.

Qualquer credor terá 20 dias (a partir do dia dessa publicação do despacho no CITIUS) para relacionar os seus créditos e para referir se pretende igualmente convertê-los em capital. Estas comunicações devem ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos (apresentada na secretaria do tribunal e publicada no CITIUS).

Após esses 20 dias o juiz tem cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações formuladas. Se a lista provisória de créditos não for impugnada no prazo, converte-se de imediato em lista definitiva. O juiz procede então à análise da proposta e vai homologá-la se respeitar a maioria de créditos subordinados e não subordinados prevista (este é o único objetivo da lista).

A sentença homologatória constitui título bastante para a redução de capital, aumento de capital, modificação dos estatutos, transformação e exclusão de sócios, bem como para a realização dos respetivos registos.

No prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória, os sócios podem adquirir (ou fazer adquirir por terceiro por si indicado) o capital da sociedade resultante da alteração, pelo respetivo valor nominal, desde que adquiram ou paguem também, na totalidade, os créditos remanescentes sobre a sociedade, detidos pelos credores proponentes.

Efeitos em processo de insolvência da sociedade

Caso a sociedade seja declarada insolvente, produzem-se os seguintes efeitos:

  • no âmbito dos trabalhos da deliberação da assembleia geral:
    - caducam imediatamente, consoante os casos, a proposta dos credores para conversão dos seus créditos em capital social e os efeitos da deliberação da assembleia geral que aprova ou recusa a proposta pelo sócios;
  • no âmbito do suprimento judicial da deliberação social:
    - estando pendente o processo de suprimento judicial da deliberação social, quando seja de recusa da proposta de conversão, extingue-se a respetiva instância.

Uma vez registadas as alterações ao capital social, a sociedade deverá comunicar imediatamente as mesmas e o seu registo a qualquer processo de insolvência que se encontre pendente, extinguindo-se a respetiva instância, caso não haja ainda sido declarada a insolvência.



Referências
Lei n.º 7/2018, de 2 de março
Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro
Resolução do Conselho de Ministros n.º 42/2016, de 18 de agosto
Projeto de Proposta de Lei que aprova o regime jurídico de conversão de créditos em capital
Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, artigos 47.º e 48.º
Código das Sociedades Comerciais, artigo 28.º

 



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