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Responsabilidade civil do Estado por duplicação de descrições registais

O Supremo Tribunal Administrativo (STA) decidiu que o Estado é responsável pelos danos causados a quem tenha adquirido um imóvel inexistente devido à não inutilização atempada da duplicação de descrições prediais por parte da conservatória do registo predial.

O caso

Em junho de 1998 um casal comprou um prédio, tendo registado o mesmo em seu nome. Porém, em meados de 1999 foi surpreendido com a ocupação do referido prédio por uma máquina retroescavadora levada a cabo pela Caixa de Crédito Agrícola da região, que afirmou ser proprietária do mesmo.

No processo de reivindicação de propriedade que se seguiu o casal descobriu que o prédio em causa estava descrito em duplicado no registo predial, devido à não inutilização de uma das descrições depois de realizadas diversas desanexações.

Em tribunal foi ordenado o cancelamento da inscrição duplicada, que correspondia à que o casal tinha adquirido, com a consequente perda do imóvel. Inconformado, o casal intentou uma ação contra o Estado português, responsabilizando-o pelo sucedido e exigindo uma indemnização.

A ação foi julgada procedente e o Estado obrigado a indemnizar o casal, decisão da qual interpôs recurso para o STA.

Apreciação do Supremo Tribunal Administrativo

O STA negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida, ao decidir que o Estado é responsável pelos danos causados a quem tenha adquirido um imóvel inexistente devido à não inutilização atempada da duplicação de descrições prediais por parte da conservatória do registo predial.

O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.

Nesse sentido, o Estado responde civilmente perante terceiros pelos atos ilícitos culposamente praticados pelos seus órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício.

Abrangendo essa responsabilidade não só os atos materiais e omissões que ofendam direitos de terceiros ou disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, como, ainda, os que ofendam as regras técnicas e de prudência comum ou o dever geral de cuidado que devam ser tidos em consideração. Daí que, desde que exista o dever legal de atuar, a omissão dos atos devidos é suscetível de determinar a obrigação de reparar o dano causado.

Como tal, tem-se como ilícita e culposa a conduta do Estado que, através dos seus serviços, não tenha cumprido, cabalmente, os deveres que lhe competiam e que se lhe impunham no âmbito do sistema público de registo, no caso, do registo predial, quanto a uma atempada sinalização e inutilização de descrição predial duplicada com vista a garantir a segurança no comércio imobiliário, assegurando aos interessados que, sobre os bens a que aquele instituto se aplica, não existiam outros direitos senão aqueles que o registo documentava e publicitava.

Devido às funções de publicidade do registo, assim que seja constatada ou exista suspeita da existência de descrições duplicadas importa remediar logo que possível a situação, através de inutilização da descrição duplicada, por forma a evitar que alguém seja induzido em erro por essa situação e a garantir a segurança no comércio imobiliário. A omissão por parte da conservatória do registo predial desses procedimentos oficiosos de inutilização é violador das regras de ordem técnica e de prudência comum que os serviços têm obrigação de conhecer e de adotar.

Mostrando-se no caso verificado o necessário nexo de causalidade relativamente aos danos sofridos pelos autores, uma vez que aliada a essa conduta do Estado de manutenção de duplicação de descrições registais que perdurou no tempo se verificou, ainda, uma outra de errada certificação e informação da descrição predial que, induzindo em erro os então compradores, permitiu a celebração de escritura de compra e venda de imóvel inexistente. Não fora a apresentação dessa certidão e a celebração do negócio não teria tido lugar porquanto os compradores não teriam avançado para a sua outorga se o teor da certidão os alertasse para a duplicação ou possível duplicação de descrições registais.

 

 

Referências
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0198/15, de 4 de outubro de 2017
Constituição da República Portuguesa, artigo 22.º
Decreto n.º 48051, de 21/11/1967, artigo 4.º e 6.º
Código Civil, artigos 483.º e 486.º
Código do Registo Predial, artigos 1.º, 4.º, 9.º, 10.º, 79.º, 81.º e 86.º

 

 

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23.11.2017