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Contrato de crédito documentário


O Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) decidiu que, salvo em casos de fraude manifesta ou de abuso evidente, o banco está obrigado a pagar a quantia prevista em contrato de crédito documentário irrevogável, depois de verificada a aparente conformidade dos documentos apresentados com os termos e condições do crédito.

O caso

Uma empresa intentou uma ação contra um banco pedindo a condenação deste no pagamento de 64.306,15 euros, acrescidos de juros. Fê-lo alegando que tinha adquirido pescado a uma empresa no Peru, cujo pagamento seria efetuado através de um crédito documentário com pagamento à vista que contratara com o banco. Que uma das condições para que a mercadoria pudesse entrar na União Europeia era que a entidade produtora do pescado e o operador constante do certificado sanitário constassem das listas publicitadas pela União Europeia. E que o banco procedera ao pagamento da mercadoria sem se certificar da validade do certificado de saúde, que afinal era falso, já que os produtos alimentares em questão não tinham sido produzidos por entidade certificada por entidade comunitária, o que impedira que fossem desalfandegados.

O banco contestou, alegando a existência de um banco confirmador no Peru, a quem estava, face ao crédito documentário irrevogável celebrado e às regras que o regem, obrigado a pagar assim que interpelado para o fazer. E que tendo esse banco confirmador verificado os documentos necessários e pago ao beneficiário, o banco não poderia deixar de efetuar o pagamento àquele no âmbito das obrigações decorrentes do crédito documentário firmado. A ação foi julgada improcedente, decisão da qual a empresa recorreu para o TRC.

Apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra

O TRC julgou improcedente o recurso ao decidir que, salvo em casos de fraude manifesta ou de abuso evidente, o banco está obrigado a pagar a quantia prevista em contrato de crédito documentário irrevogável, depois de verificada a aparente conformidade dos documentos apresentados com os termos e condições do crédito.

O contrato de crédito documentário consiste numa operação bancária formal pela qual um banco, agindo por mandato ou instruções do seu cliente, se obriga, mediante um negócio unilateral, a carta de crédito, a pagar ou a mandar pagar a um terceiro uma determinada quantia, à vista ou na data ou datas estipuladas, sob condição de o beneficiário lhe entregar os documentos exigidos, representativos de mercadorias compradas pelo ordenador ao beneficiário e outros.

Ao compromisso do banco emitente, quando irrevogável, pode juntar-se o compromisso de outro banco, o banco confirmador, a confirmar o crédito documentário. Neste caso, o banco confirmador, também por um negócio unilateral, a carta de confirmação, obriga-se perante o beneficiário em termos idênticos aos do banco emitente.

Resulta, assim, que mediante o crédito documentário irrevogável, um banco, agindo por mandato ou instruções do seu cliente, assume o compromisso firme, insuscetível de alteração ou cancelamento sem o acordo de todos os interessados, de realizar a favor do beneficiário a prestação constante da abertura de crédito, desde que este lhe apresente, no prazo e condições estabelecidas na carta de crédito, os documentos que aí se especificaram, sendo que, a pedido ou com a prévia concordância do banco emitente, o crédito documentário irrevogável pode ser confirmado por um outro banco que, com essa confirmação, assume, perante o beneficiário, o compromisso firme de realizar, a seu favor, a prestação constante da abertura de crédito.

Por isso, o pagamento diferido implica, para os bancos comprometidos, quer para o emitente, quer para o confirmador, a obrigação autónoma, face ao negócio subjacente, de pagar a quantia creditada ao beneficiário na data do vencimento estipulada na carta de crédito ou até essa data.

Ponto fulcral da relevância e eficácia do contrato de crédito documentário é que se verifique a necessária conformidade dos documentos em relação às exigências do crédito. Mas ao banco não se impõe que se assegure da autenticidade dos documentos, devendo, tão só, examinar, com o cuidado razoável, a sua aparente conformidade com os termos e condições do crédito, não estando a seu cargo fazê-lo relativamente ao negócio subjacente.

Verificando o banco que os documentos apresentados estão em aparente conformidade entre si e com os termos do crédito acordado, está o mesmo obrigado a proceder ao pagamento, exceto em situações de fraude manifesta ou de abuso evidente. Ou seja, só nos casos em que, em tempo oportuno, se deteta situação relativa ao negócio subjacente que revele inequívoca fraude, não bastando a remota suspeita de uma tal situação.

Assim sendo, não resultando que tenha existido qualquer fraude e muito menos que esta fosse inequívoca, tendo apenas a empresa sido impedida de desalfandegar a mercadoria devido ao facto do número do operador não constar das listas oficiais da União Europeia, sem que se tenha provado que o vendedor soubesse dessa situação, quer o banco confirmador no Peru quer o banco demandado não poderiam deixar de cumprir, naquilo que respeita à obrigação de cada um, decorrente do crédito documentário firmado, o pagamento respetivo do valor neste indicado. Pelo que, o banco demandado não poderia deixar de efetuar, como efetuou, o reembolso ao banco confirmador do Peru da quantia por este pagara ao beneficiário, sob pena de violação do crédito documentário firmado.

 

Referências
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 4941/15.2T8CBR.C1, de 16 de janeiro de 2018           
Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários, artigos 3.º, 6.º, 9.º, 10.º, 13.º e 14.º

 

 

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11.06.2018