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Atropelamento por veículo elétrico


O Tribunal da Relação do Porto (TRP) decidiu que, dependendo das circunstâncias de cada caso, não é de excluir a possibilidade de concorrência de culpa do peão no atropelamento que o vitimou mortalmente e o risco próprio da circulação de um veículo movido a energia elétrica, com motor silencioso.

O caso

Uma mulher foi atropelada mortalmente por um veículo elétrico quando caminhava no passeio, de costas para o sentido do trânsito e a falar com as colegas, e iniciou a travessia da faixa de rodagem distraída, sem olhar. Em consequência, os seus pais recorreram a tribunal exigindo da seguradora do veículo uma indemnização global de 150.000 euros. Mas a ação foi julgada improcedente, tendo o tribunal considerado que o acidente ocorrera por culpa exclusiva da vítima, decisão da qual os pais recorreram para o TRP.

Apreciação do Tribunal da Relação do Porto

O TRP julgou parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e condenando a companhia de seguros a pagar uma indemnização de 27.400 euros, mais juros.

Decidiu o TRP que, dependendo das circunstâncias de cada caso, não é de excluir a possibilidade de concorrência de culpa do peão no atropelamento que o vitimou mortalmente e o risco próprio da circulação de um veículo movido a energia elétrica, com motor silencioso.

Atualmente a lei deve ser interpretada no sentido de que não implica uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência entre a culpa do lesado e os riscos do veículo causador do acidente, de modo que qualquer grau de contribuição causal ou percentagem de culpa do lesado inviabilize sempre a eventual imputação de responsabilidade pelo risco, independentemente da dimensão e intensidade dos riscos concretos de circulação do veículo.

Tal não significa que, por si só e de forma imediata, se responsabilize o detentor efetivo do veículo, e a respetiva seguradora, pelos danos sofridos pelo lesado, mas sim que, em função da factualidade subjacente a cada caso concreto, se pondere a medida da contribuição do lesado para o acidente.

Só sendo de excluir esse concurso e a responsabilidade objetiva do detentor do veículo quando o acidente for devido, com culpa ou sem culpa, unicamente ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte exclusivamente de força maior estranha ao funcionamento do veículo.

Assim e excecionalmente, em situações de especial vulnerabilidade das vítimas, nomeadamente peões, crianças ou ciclistas, será de admitir o concurso da culpa da vítima com o risco próprio do veículo sempre que ambos colaborem na produção do dano, sem quebra ou interrupção do nexo de causalidade entre este e o risco pela conduta da vítima como causa exclusiva do evento lesivo. Para o efeito o dano tem que ter conexão com os riscos específicos do veículo, sendo necessário que o perigo latente no exercício desta atividade se desencadeie.

É pela análise da sequência naturalística do próprio acidente que se verifica se dela resultam, não obstante a atuação da vítima no processo causal do acidente, os riscos próprios do veículo. Como o risco não se presume, terá que ser feita prova de que o veículo contribuiu com risco relevante para a colisão com o peão para que este, apesar da sua culpa, possa ter direito à indemnização.

Ora, nos veículos automóveis elétricos, a ausência do ruído típico dos motores de combustão e a sua ainda reduzida utilização leva facilmente os peões a convencerem-se que à não audição de um ruído de motor de combustão corresponde a ausência de veículos, agindo descuidadamente, nomeadamente ao iniciarem a travessia das faixas de rodagem. Trata-se de um risco novo e expressivo inerente às condições específicas desses veículos com motor silencioso, de construção relativamente recente e de utilização pouco frequente, a que os peões ainda não estão habituados e que é suscetível de provocar danos pessoais graves que não podem deixar de estar cobertos e que não resultam exclusivamente de falta de diligência exigível dos peões em geral, os elementos mais vulneráveis e mais desprotegidos na via pública, a par dos ciclistas.

Ora, se no caso à condutora do veículo não era exigível condução diferente, tendo agido sem culpa, nem por isso o perigo inerente à utilização de um veículo elétrico deixou de estar presente nas circunstâncias do acidente. Assim, tendo em conta a forma como no caso ocorreu o acidente, entendeu o TRP como adequado fixar em 20% do valor total dos danos a medida do risco do funcionamento do veículo, da responsabilidade da seguradora.

 

Referências
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 23399/19.0T8PRT.P1, de 14 de julho de 2021
Código Civil, artigo 505.º

 

 

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17.09.2021​