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IRC e dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos


O Tribunal Constitucional (TC) julgou inconstitucional a norma do Orçamento do Estado para 2016, na parte em que atribuiu natureza interpretativa à nova redação dada à norma do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, sobre eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, que veio limitar o âmbito de aplicação do método da isenção na eliminação da dupla tributação à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros.

O caso

O Centro de Arbitragem Administrativa decidiu anular parcialmente a liquidação adicional de IRC de uma sociedade, recusando a aplicação da norma do Orçamento do Estado para 2016 que atribuíra natureza interpretativa à nova redação dada à norma do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) sobre eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, por violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei fiscal. Em causa estava a redução do âmbito de aplicação do método da isenção na eliminação da dupla tributação económica, que passara a abranger apenas a parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não fossem, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros. Discordando dessa decisão, a Administração Tributária (AT) e o Ministério Público (MP) recorreram para o TC.

Apreciação do Tribunal Constitucional

O TC negou provimento aos recursos, julgando inconstitucional a norma do Orçamento do Estado para 2016, na parte em que atribuiu natureza interpretativa à nova redação dada à norma do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, sobre eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, que veio limitar o âmbito de aplicação do método da isenção na eliminação da dupla tributação à parte dos rendimentos de participações sociais que, estando afetas às provisões técnicas das sociedades de seguros e das mútuas de seguros, não sejam, direta ou indiretamente, imputáveis aos tomadores de seguros.

O órgão competente que cria uma lei tem também a competência para a interpretar. Essa interpretação da lei fixada pelo próprio legislador, chamada de interpretação autêntica, vale com a força inerente a uma nova manifestação de vontade do respetivo autor, integrando-se na lei interpretada e sendo aplicável retroativamente a factos e situações anteriores.

Porém, enquanto a interpretação judicial tem por fundamento a autoridade jurisdicional dos tribunais, essa interpretação legislativa baseia-se na autoridade política do legislador para determinar o que é mais justo, conveniente ou oportuno para a comunidade. Quando um tribunal interpreta uma lei, nomeadamente uma lei ambígua, num determinado sentido, o fundamento da decisão é a correção jurídica desse juízo. O tribunal afirma que esse sentido é o verdadeiro e originário da lei, desde o momento em que a mesma entrou em vigor. Já o legislador, não tendo qualquer competência jurisdicional, atua sempre com base na sua autoridade política, fixando o sentido da lei com base em critérios de natureza política e não jurídica.

Deste modo, a exclusão ou imposição de uma ou mais interpretações de uma norma legal já realizadas, ou claramente admissíveis, por determinação de uma lei posterior, limita o alcance da interpretação judicial. Daí que a interpretação ou esclarecimento formalmente consagrados pela lei nova não possam deixar de revestir uma natureza constitutiva e a retroatividade inerente a essa mesma lei seja sempre material ou substancial, e não meramente formal.

Segundo esta perspetiva, fundada na diferença constitucional entre a função legislativa e a função jurisdicional, não pode aceitar-se a ideia de que uma lei genuinamente interpretativa, porque se limita a consagrar um dos sentidos possíveis da lei interpretada, não seja lesiva das expectativas seguras e legitimamente fundadas dos seus destinatários e que, por isso, caso trate de matéria fiscal, a respetiva retroatividade, tida como meramente formal, não esteja vedada pela Constituição.

Sem dúvida que os cidadãos destinatários das leis não devem ter qualquer expectativa de que estas sejam, ou possam vir a ser, interpretadas no sentido que lhes é mais favorável. Mas têm a expectativa legítima, na qualidade de destinatários da lei, de formarem uma convicção sobre o direito nela vertido e de agirem com base nessa convicção jurídica, ou seja, uma expectativa legítima de que as leis sejam objeto de uma interpretação jurídica. Ao consagrarem um sentido por razões de ordem política, constitutivas e não declarativas de direito, as leis interpretativas frustram essa expectativa legítima dos cidadãos. Consequentemente, a retroatividade inerente às leis interpretativas é necessariamente material e, quando esteja em causa a interpretação legal de normas fiscais, não pode deixar de estar abrangida pela proibição constitucional da retroatividade da lei fiscal.

 

Referências
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 101/2021, proferido no processo n.º 1238/17, de 4 de fevereiro de 2021
Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, artigos 133.º e 135.º
Código do IRC, artigo 51.º n.º 6
Constituição da República Portuguesa, artigo 103.º n.º 3

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04.06.2021​